Virgínia Woolf |
Já
havia marcado esse encontro. Sentei-me à janela. Uma árvore em frente à casa
quase desfolhou-se toda essa madrugada; lembrou meu compulsivo e inútil trabalho da
tarde de ontem quando em vão recolhia uma folha enquanto caiam outras tantas da
galharia e resolveu zombar de mim ainda mais, ela que logo estará como a
amendoeira de Rubem Braga ( "no momento está sem folhas, e sua galhada nua
se desenha no céu feio." (O Homem
Rouco, p. 25). E, na chuva torrencial que atravessou a noite, cobriu o pátio de
um tapete âmbar, pintando sua tela com a própria seiva. Estou sentado à
olhá-la através da vidraça. Faz um ano que está comigo. Vi-a nua em julho
passado; despe-se novamente agora. Brevemente essa visão será apenas um
retrato, embaçado, uma imagem difusa das horas que aqui estive. Horas de alguma
alegria, é verdade, quando o amor nessa casa reinava. Horas de angústia e
tristeza, quando, inclemente, ausentou-se. Momentos, tempo, horas. Horas!? Lembram? O encontro marcado com Virgínia
Woolf? Envolvi-a em uma trama surreal: ela, Florbela Espanca e Shakespeare. Não
contente, ainda prometi que escreveria particularmente sobre sua obra. As
horas, pois sim! Postei pela manhã no Facebook o vídeo do filme baseado no
livro de Michael Cunningham que se chama "As Horas", onde Nicole
Kidman interpreta o papel de Virgínia Woolf. Kidman foi premiada com um Oscar
por seu retrato da escritora britânica. Através deste filme, já há algum tempo,
entrei em contato pela primeira vez com a história de Woolf. No meu
inconsciente ficara gravado a vontade de escrever um dia sobre sua vida
marcante. Chegou a Hora!
The
Voyage Out
Virginia Adeline
StephenWoolf (Londres, 25 de Janeiro de 1882 — Lewes, 28 de Março de 1941) foi
uma escritora, ensaísta e editora britânica, conhecida como uma das mais
proeminentes figuras do modernismo, movimento que permeou as artes na primeira
metade do Século XX. Ela era membro do
Grupo de Bloomsbury, um grupo de artistas e intelectuais britânicos que existiu
entre 1905 até o fim da II Guerra Mundial. Quase tudo o que diz respeito a esse
grupo é matéria de controvérsias, desde a sua composição até seu nome.
Atualmente, entretanto, parece claro que, na origem, dele participaram os
romancistas e ensaístas Virginia Woolf, E. M. Forster e Mary (Molly) MacCarthy,
o biógrafo e ensaísta Lytton Strachey, o economista John Maynard Keynes, os
pintores Duncan Grant, Vanessa Bell e Roger Fry, o crítico literário Desmond
MacCarthy, o crítico de arte Clive Bell e o jornalista Leonard Woolf, com quem
a escritora foi casada até sua morte em 1941.
Virgínia Woolf
desempenhava um papel de significância dentro da sociedade literária londrina
durante o período entreguerras. Seus trabalhos mais famosos incluem os romances
Mrs Dalloway (1925), Passeio ao Farol (1927) e Orlando (1928), bem como o
livro-ensaio Um Quarto Só Para Si (1929), onde encontra-se a famosa citação
"Uma mulher deve ter dinheiro e um quarto próprio se ela quiser escrever
ficção". Sua primeira obra foi The Voyage Out, publicada em 1915. O
romance Mrs. Dalloway ficou conhecido pelo filme As Horas, já citado como precursor deste
"ensaio" . As Horas conta várias histórias, mescla a vida da própria
autora numa personagem e coloca algumas particularidades de Mrs. Dalloway numa
dessas histórias. Em Mrs. Dalloway, Virginia descreve um único dia da
personagem, quando ela prepara uma festa.
Então, em linhas
gerais, esse seria um breve resumo da vida da escritora e sua obra. Mas, meu
interesse não é publicar tão-somente uma biografia de Woolf, pois ela já existe
publicada, até porque as biografias tendem a ser entediantes e meu objetivo não
é entediar ninguém. Quero é trazer à luz o que teve ou deixou para o mundo de
interessante e ela, com certeza, era uma mulher interessante -
interessantíssima -, ainda mais, pode-se abusar dos superlativos: era
inteligentíssima! E para analisar uma pessoa assim, corre-se o risco de não
compreendê-la completamente, porque em sua essência Virgínia não era comum. E
nós, mundanos, somos. Daí a necessidade de que não a julguemos sob a ótica dos
valores que nós, comuns, fomos ensinados a cultuar.Vamos é ver o que de herança
Virgínia Woolf deixou, tão-somente...
Orlando
e Vita Sackville-West
Sua obra mais conhecida
é Orlando, publicada em 1928. É uma fantasia histórica sobre o período elisabetano.
O Período Elisabetano ou Período Isabelino é o período associado ao reino da
rainha Isabel ou Elizabeth I (1558-1603) e considerado frequentemente uma era
dourada da história inglesa. Esta época corresponde ao ápice da renascença
inglesa, na qual se viu florescer a literatura e a poesia do país. Este foi
também o tempo durante o qual o teatro elizabetano cresceu e Shakespeare, entre
outros, escreveu peças que rompiam com o estilo a que a Inglaterra estava
acostumada. Quem? Shakespeare! Ele mesmo.
Orlando (no original em
inglês, Orlando: A Biography) é uma novela semi-biográfica baseada em parte na
vida da amiga íntima de Woolf, Vita Sackville-West. O romance é considerado um
dos mais acessíveis de Woolf. É a
história de um jovem inglês que nasce na Inglaterra da Idade Moderna e, durante
uma estada na Turquia, simplesmente acorda mulher. A personagem é dotada de
imortalidade e o livro acompanha Orlando por seus 350 anos de vida.
Bem-humorado, é um dos grandes exemplares do modernismo inglês e um dos ápices
da arte literária de Virginia Woolf.
Assim define o romance
o poeta catarinense Enzo Potel: "Para alguns, o livro mais atual de Woolf.
Para outros, a ovelha negra de sua produção. Entre ambas as opiniões, a certeza
de que Orlando é uma fresta notável dentro da obra total da autora. Uma
biografia inventada, sorvida e dedicada à existência da Vita Sackville-West,
sua andrógina amante..." Virgínia conheceu a poetisa, romancista e
renomada paisagista Victoria Sackville-West – Vita – em 1919, e logo se tornaram
grandes amigas. O envolvimento amoroso ocorreu seis anos depois que se
conheceram e durou aproximadamente dois anos (mesmo assim, permaneceram amigas
até a morte de Virginia). Vita era casada com Sir Harold Nicolson, também
bissexual, e teve com ele um longo e bem-sucedido casamento aberto.
As
Ondas e o cachorro Flush
As ondas é talvez o
divisor de águas de Virginia Woolf. Com ele, a escritora abandonou todas as
trivialidades, tudo aquilo que não era necessário, e deixou apenas a poesia e o
sentimento pulsantes, justamente o que prende o leitor do início ao fim da
obra. Um romance marcado por forte introspecção, sem argumento definido, sem
conversa, sem ação. Ele é todo escrito como discurso direto de seis personagens
- Bernard, Neville, Louis, Jinny, Susan, Rhoda - que falam das suas
inquietações, seus sentimentos escondidos. O sol nasce e se põe e, em paralelo
ao seu trajeto, nasce e se põe também a vida humana, a cada dia, a cada
suspiro, a cada convicção jogada fora.
Após terminar As Ondas,
em 1931, Virginia Woolf estava exausta. Ela seguiu então para a sua casa de
campo levando o livro das cartas entre os poetas Elizabeth Barrett e Robert
Browning. Na leitura, percebeu a presença permanente de um cachorro; resolve
então, por diversão, escrever a visão desse cachorro do mundo à sua volta. Essa
obra foi muito elogiada por fazer um relato minucioso sobre a época dos dois
poetas. Ironicamente foi a obra que mais deu retorno financeiro à escritora e a
mais traduzida em outros idiomas. A obra é a "biografia" de um cão
que teria pertencido à Elizabeth Barrett Browning. Mostra as aventuras e os
mistérios da existência percebidos através dos olhos do melhor amigo do homem.
O personagem central dessa história é um cocker spaniel de origem inglesa, Flush.
Veja uma passagem em que fala de Flush:
" (...) Em pleno
processo de apreensão do mundo e de si mesmo, ele ama tanto os raios de sol
quanto um pedaço de rosbife, a companhia de cadelinhas malhadas assim como a
companhia de seres humanos, o cheiro de campos abertos tanto quanto ruas cimentadas
e o burburinho da cidade..."
Na obra, iniciada com o
objetivo de distrair-se após um período exaustivo, a escritora não deixa de
tecer comentários críticos sobre a sociedade inglesa e vitoriana e seus
valores.
A obra de
Woolf é extensa. Com o destaque de Mrs. Dalloway para encerrar, creio
que dou ao leitor uma ideia bem razoável sobre quem era Virgínia Woolf; não
quero matar-lhes a curiosidade. Assim que é bom mesmo: Deixar o gosto por mais.
Mrs
Dalloway foi publicado
em 1925. É uma das obras mais conhecidas da autora. Em 2005, foi escolhido pela
revista Time como um dos cem melhores romances em língua inglesa de 1923 até o
presente. Mrs
Dalloway conta a história de um dia na vida de Clarissa Dalloway no período
pós-Primeira Guerra Mundial, na Inglaterra. Criado a partir de dois contos,
"Mrs. Dalloway em Bond Street" e o inacabado "O
primeiro-ministro", o livro trata dos preparativos para uma festa da qual
Clarissa é anfitriã. A história viaja para a frente e para trás no tempo e se
desenvolve dentro e fora da mente das personagens para construir uma imagem da
vida de Clarissa. Como já
destaquei no início da publicação, o romance da escritora Virgínia Woolf serviu
como palco para o romance As Horas, de Michael Cunningham, e o livro serviu
como base para As Horas, o filme, um longa-metragem anglo -
americano de 2002, dirigido por Stephen Daldry, e que rendeu à Virgínia o
conhecimento que lhe faltava entre o grande público. Inclusive eu, que conhecia
a escritora inglesa só de nome, fiquei impressionado com a representação da
escritora protagonizado pela atriz Nicole Kidman.
Em três
períodos diferentes vivem três mulheres ligadas ao livro Mrs. Dalloway.
Em 1923 vive Virginia Woolf (Nicole Kidman), autora do livro, que enfrenta uma
crise de depressão e ideias de suicídio. Em 1951 vive Laura Brown (Julianne
Moore), uma dona de casa grávida que mora em Los Angeles, planeja uma festa de
aniversário para o marido e não consegue parar de ler o livro. Nos dias atuais
vive Clarissa Vaughn (Meryl Streep), uma editora de livros que vive em Nova
York e dá uma festa para Richard (Ed Harris), escritor que fora seu amante no
passado e hoje está com AIDS e morrendo.
Espero
que os tenha dado uma ideia de quem foi a genial Virgínia, uma mulher de
personalidade marcante que produziu obras importantes durante a conturbada
primeira metade do Século XX. Conturbada também foi a sua vida, como é
comumente a vida de pessoas excepcionais. E dessa incompreensível
excepcionalidade produziu para o mundo esse legado admirável, indelével,
impressionante que me permiti repassar.
No dia 28
de Março de 1941, após ter um colapso nervoso Virgínia suicidou-se. Ela vestiu
um casaco, encheu seus bolsos com pedras e entrou no Rio Ouse, afogando-se. Seu
corpo só foi encontrado no dia 18 de abril. Antes, escreveu ao marido, Leonardo
Woolf, um carta de despedida onde explica sua decisão de desistir da vida.
V.
A sua última obra foi Entre os atos, publicada em
1941, posterior à sua morte.
Bibliografia de Virgínia Woolf:
The Voyage Out (1915),
Night and Day (1919), Jacob's Room (1922), Mrs. Dalloway (1925), The Common
Reader (1925 - Primeiro volume), To the Lighthouse (1927), Orlando: A Biography
(1928), A Room of One's Own (1929), The Waves (1931), The Common Reader (1932 -
Segundo volume), Flush: A Biography (1933), The Years (1937), Roger Fry (1940),
Between the Acts (1941), Contos Completos (1917-1941)...
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