terça-feira, 19 de junho de 2012

ENCONTRO MARCADO COM VIRGÍNIA WOOLF

Virgínia Woolf
Já havia marcado esse encontro. Sentei-me à janela. Uma árvore em frente à casa quase desfolhou-se toda essa madrugada; lembrou meu compulsivo e inútil trabalho da tarde de ontem quando em vão recolhia uma folha enquanto caiam outras tantas da galharia e resolveu zombar de mim ainda mais, ela que logo estará como a amendoeira de Rubem Braga ( "no momento está sem folhas, e sua galhada nua se desenha no céu feio."  (O Homem Rouco, p. 25). E, na chuva torrencial que atravessou a noite, cobriu o pátio de um tapete âmbar, pintando sua tela com a própria seiva. Estou sentado à olhá-la através da vidraça. Faz um ano que está comigo. Vi-a nua em julho passado; despe-se novamente agora. Brevemente essa visão será apenas um retrato, embaçado, uma imagem difusa das horas que aqui estive. Horas de alguma alegria, é verdade, quando o amor nessa casa reinava. Horas de angústia e tristeza, quando, inclemente, ausentou-se. Momentos, tempo, horas. Horas!?  Lembram? O encontro marcado com Virgínia Woolf? Envolvi-a em uma trama surreal: ela, Florbela Espanca e Shakespeare. Não contente, ainda prometi que escreveria particularmente sobre sua obra. As horas, pois sim! Postei pela manhã no Facebook o vídeo do filme baseado no livro de Michael Cunningham que se chama "As Horas", onde Nicole Kidman interpreta o papel de Virgínia Woolf. Kidman foi premiada com um Oscar por seu retrato da escritora britânica. Através deste filme, já há algum tempo, entrei em contato pela primeira vez com a história de Woolf. No meu inconsciente ficara gravado a vontade de escrever um dia sobre sua vida marcante. Chegou a Hora!



The Voyage Out
Virginia Adeline StephenWoolf (Londres, 25 de Janeiro de 1882 — Lewes, 28 de Março de 1941) foi uma escritora, ensaísta e editora britânica, conhecida como uma das mais proeminentes figuras do modernismo, movimento que permeou as artes na primeira metade do Século XX.  Ela era membro do Grupo de Bloomsbury, um grupo de artistas e intelectuais britânicos que existiu entre 1905 até o fim da II Guerra Mundial. Quase tudo o que diz respeito a esse grupo é matéria de controvérsias, desde a sua composição até seu nome. Atualmente, entretanto, parece claro que, na origem, dele participaram os romancistas e ensaístas Virginia Woolf, E. M. Forster e Mary (Molly) MacCarthy, o biógrafo e ensaísta Lytton Strachey, o economista John Maynard Keynes, os pintores Duncan Grant, Vanessa Bell e Roger Fry, o crítico literário Desmond MacCarthy, o crítico de arte Clive Bell e o jornalista Leonard Woolf, com quem a escritora foi casada até sua morte em 1941.
Virgínia Woolf desempenhava um papel de significância dentro da sociedade literária londrina durante o período entreguerras. Seus trabalhos mais famosos incluem os romances Mrs Dalloway (1925), Passeio ao Farol (1927) e Orlando (1928), bem como o livro-ensaio Um Quarto Só Para Si (1929), onde encontra-se a famosa citação "Uma mulher deve ter dinheiro e um quarto próprio se ela quiser escrever ficção". Sua primeira obra foi The Voyage Out, publicada em 1915. O romance Mrs. Dalloway ficou conhecido pelo filme As Horas,  já citado como precursor deste "ensaio" . As Horas conta várias histórias, mescla a vida da própria autora numa personagem e coloca algumas particularidades de Mrs. Dalloway numa dessas histórias. Em Mrs. Dalloway, Virginia descreve um único dia da personagem, quando ela prepara uma festa. 
Então, em linhas gerais, esse seria um breve resumo da vida da escritora e sua obra. Mas, meu interesse não é publicar tão-somente uma biografia de Woolf, pois ela já existe publicada, até porque as biografias tendem a ser entediantes e meu objetivo não é entediar ninguém. Quero é trazer à luz o que teve ou deixou para o mundo de interessante e ela, com certeza, era uma mulher interessante - interessantíssima -, ainda mais, pode-se abusar dos superlativos: era inteligentíssima! E para analisar uma pessoa assim, corre-se o risco de não compreendê-la completamente, porque em sua essência Virgínia não era comum. E nós, mundanos, somos. Daí a necessidade de que não a julguemos sob a ótica dos valores que nós, comuns, fomos ensinados a cultuar.Vamos é ver o que de herança Virgínia Woolf deixou, tão-somente...
Orlando e Vita Sackville-West
Sua obra mais conhecida é Orlando, publicada em 1928. É uma fantasia histórica sobre o período elisabetano. O Período Elisabetano ou Período Isabelino é o período associado ao reino da rainha Isabel ou Elizabeth I (1558-1603) e considerado frequentemente uma era dourada da história inglesa. Esta época corresponde ao ápice da renascença inglesa, na qual se viu florescer a literatura e a poesia do país. Este foi também o tempo durante o qual o teatro elizabetano cresceu e Shakespeare, entre outros, escreveu peças que rompiam com o estilo a que a Inglaterra estava acostumada. Quem? Shakespeare! Ele mesmo.
Orlando (no original em inglês, Orlando: A Biography) é uma novela semi-biográfica baseada em parte na vida da amiga íntima de Woolf, Vita Sackville-West. O romance é considerado um dos mais acessíveis de Woolf.  É a história de um jovem inglês que nasce na Inglaterra da Idade Moderna e, durante uma estada na Turquia, simplesmente acorda mulher. A personagem é dotada de imortalidade e o livro acompanha Orlando por seus 350 anos de vida. Bem-humorado, é um dos grandes exemplares do modernismo inglês e um dos ápices da arte literária de Virginia Woolf.
Assim define o romance o poeta catarinense Enzo Potel: "Para alguns, o livro mais atual de Woolf. Para outros, a ovelha negra de sua produção. Entre ambas as opiniões, a certeza de que Orlando é uma fresta notável dentro da obra total da autora. Uma biografia inventada, sorvida e dedicada à existência da Vita Sackville-West, sua andrógina amante..." Virgínia conheceu a poetisa, romancista e renomada paisagista Victoria Sackville-West – Vita – em 1919, e logo se tornaram grandes amigas. O envolvimento amoroso ocorreu seis anos depois que se conheceram e durou aproximadamente dois anos (mesmo assim, permaneceram amigas até a morte de Virginia). Vita era casada com Sir Harold Nicolson, também bissexual, e teve com ele um longo e bem-sucedido casamento aberto.
As Ondas e o cachorro Flush
As ondas é talvez o divisor de águas de Virginia Woolf. Com ele, a escritora abandonou todas as trivialidades, tudo aquilo que não era necessário, e deixou apenas a poesia e o sentimento pulsantes, justamente o que prende o leitor do início ao fim da obra. Um romance marcado por forte introspecção, sem argumento definido, sem conversa, sem ação. Ele é todo escrito como discurso direto de seis personagens - Bernard, Neville, Louis, Jinny, Susan, Rhoda - que falam das suas inquietações, seus sentimentos escondidos. O sol nasce e se põe e, em paralelo ao seu trajeto, nasce e se põe também a vida humana, a cada dia, a cada suspiro, a cada convicção jogada fora.
Após terminar As Ondas, em 1931, Virginia Woolf estava exausta. Ela seguiu então para a sua casa de campo levando o livro das cartas entre os poetas Elizabeth Barrett e Robert Browning. Na leitura, percebeu a presença permanente de um cachorro; resolve então, por diversão, escrever a visão desse cachorro do mundo à sua volta. Essa obra foi muito elogiada por fazer um relato minucioso sobre a época dos dois poetas. Ironicamente foi a obra que mais deu retorno financeiro à escritora e a mais traduzida em outros idiomas. A obra é a "biografia" de um cão que teria pertencido à Elizabeth Barrett Browning. Mostra as aventuras e os mistérios da existência percebidos através dos olhos do melhor amigo do homem. O personagem central dessa história é um cocker spaniel de origem inglesa, Flush. Veja uma passagem em que fala de Flush:
" (...) Em pleno processo de apreensão do mundo e de si mesmo, ele ama tanto os raios de sol quanto um pedaço de rosbife, a companhia de cadelinhas malhadas assim como a companhia de seres humanos, o cheiro de campos abertos tanto quanto ruas cimentadas e o burburinho da cidade..."
Na obra, iniciada com o objetivo de distrair-se após um período exaustivo, a escritora não deixa de tecer comentários críticos sobre a sociedade inglesa e vitoriana e seus valores. 
Virgínia Woolf (Nicole Kidman)
Mistress Dalloway

A obra de Woolf é extensa. Com o destaque de Mrs. Dalloway para encerrar, creio que dou ao leitor uma ideia bem razoável sobre quem era Virgínia Woolf; não quero matar-lhes a curiosidade. Assim que é bom mesmo: Deixar o gosto por mais.
Mrs Dalloway foi publicado em 1925. É uma das obras mais conhecidas da autora. Em 2005, foi escolhido pela revista Time como um dos cem melhores romances em língua inglesa de 1923 até o presente. Mrs Dalloway conta a história de um dia na vida de Clarissa Dalloway no período pós-Primeira Guerra Mundial, na Inglaterra. Criado a partir de dois contos, "Mrs. Dalloway em Bond Street" e o inacabado "O primeiro-ministro", o livro trata dos preparativos para uma festa da qual Clarissa é anfitriã. A história viaja para a frente e para trás no tempo e se desenvolve dentro e fora da mente das personagens para construir uma imagem da vida de Clarissa. Como já destaquei no início da publicação, o romance da escritora Virgínia Woolf serviu como palco para o romance As Horas, de Michael Cunningham, e o livro serviu como base para As Horas, o filme, um longa-metragem anglo - americano de 2002, dirigido por Stephen Daldry, e que rendeu à Virgínia o conhecimento que lhe faltava entre o grande público. Inclusive eu, que conhecia a escritora inglesa só de nome, fiquei impressionado com a representação da escritora protagonizado pela atriz Nicole Kidman.
Em três períodos diferentes vivem três mulheres ligadas ao livro Mrs. Dalloway. Em 1923 vive Virginia Woolf (Nicole Kidman), autora do livro, que enfrenta uma crise de depressão e ideias de suicídio. Em 1951 vive Laura Brown (Julianne Moore), uma dona de casa grávida que mora em Los Angeles, planeja uma festa de aniversário para o marido e não consegue parar de ler o livro. Nos dias atuais vive Clarissa Vaughn (Meryl Streep), uma editora de livros que vive em Nova York e dá uma festa para Richard (Ed Harris), escritor que fora seu amante no passado e hoje está com AIDS e morrendo. 
Espero que os tenha dado uma ideia de quem foi a genial Virgínia, uma mulher de personalidade marcante que produziu obras importantes durante a conturbada primeira metade do Século XX. Conturbada também foi a sua vida, como é comumente a vida de pessoas excepcionais. E dessa incompreensível excepcionalidade produziu para o mundo esse legado admirável, indelével, impressionante que me permiti repassar.  
No dia 28 de Março de 1941, após ter um colapso nervoso Virgínia suicidou-se. Ela vestiu um casaco, encheu seus bolsos com pedras e entrou no Rio Ouse, afogando-se. Seu corpo só foi encontrado no dia 18 de abril. Antes, escreveu ao marido, Leonardo Woolf, um carta de despedida onde explica sua decisão de desistir da vida.

 Querido,
 Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.
V.

A sua última obra foi Entre os atos, publicada em 1941, posterior à sua morte.





Bibliografia de Virgínia Woolf:
The Voyage Out (1915), Night and Day (1919), Jacob's Room (1922), Mrs. Dalloway (1925), The Common Reader (1925 - Primeiro volume), To the Lighthouse (1927), Orlando: A Biography (1928), A Room of One's Own (1929), The Waves (1931), The Common Reader (1932 - Segundo volume), Flush: A Biography (1933), The Years (1937), Roger Fry (1940), Between the Acts (1941), Contos Completos (1917-1941)...

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