segunda-feira, 4 de novembro de 2013

NOBEL DE JOSÉ SARAMAGO - 15 ANOS

Parece que foi ontem, mas já se passaram quinze anos que o escritor português José Saramago recebeu o Nobel de Literatura. Os nossos patrícios, orgulhosos, na Casa dos Bicos, festejam o 15º aniversário do primeiro Nobel da literatura atribuido a um autor de Língua Portuguesa.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O ETERNO AMARGOR DO AMOR



Passou-se rápido, um clarão. O olhar não media a mensagem e a visão não acreditava o que via. Uma simples postagem no dia de seu aniversário e veio a tona toda uma gama de sentimentos, um amor que tinha certeza: Havia acabado! Triste constatação. Aquele sentimento que me fez emagrecer, adoecer, trincar os dentes, sentir raiva e pena, ainda estava lá, intacto. Um amor que ofendia, destratava, se engrandecia ao humilhar-me, continuava depois de tanto tempo ativo e deixou-me assim hoje, como nesta foto durante o martírio que foi a despedida. Nem tão magro, nem tão depressivo, mas ainda tocado, ainda magoado. Nada tem a ver com o objetivo do blog, nada a ver com literatura, mas essa sensação de que a "coisa" não acaba tem um quê de permissividade, de falta de orgulho, "de bom, meu coração negou-me a paz, de carinhoso, deixou-se levar por levianas certezas e verdades"... assim!

segunda-feira, 29 de abril de 2013

QUE TODOS OS DIAS SEJAM DIAS DE AMOR

Carlos Drummond de Andrade
 
João Brandão pergunta, propõe e decreta:
Se há o Dia dos Namorados, por que não haver o Dia dos Amorosos, o Dia dos Amadores, o Dia dos Amantes? Com todo o fogo desta última palavra, que circula entre o carnal e o sublime?
E o Dia dos Amantes Exemplares e o Dia dos Amantes Platônicos, que também são exemplares à sua maneira, e dizem até que mais?
Por que não instituir, ó psicólogos, ó sociólogos, ó lojistas e publicitários, o Dia do Amor?
O Dia de Fazê-lo, o Dia de Agradecer-lhe, o de Meditá-lo em tudo que encerra de mistério e grandeza, o Dia de Amá-lo? Pois o Amor se desperdiça ou é incompreendido até por aqueles que amam e não sabem, pobrezinhos, como é essencial amar o Amor.
E mais o Dia do Amor Tranqüilo, tão raro e vestido de linho alvo, o Dia do Amor Violento, o Dia do Amor Que Não Ousava Dizer o Seu Nome Mas Agora Ousa, na arrebentação geral do século?
Amor Complicado pede o seu Dia, não para tornar-se pedestre, mas para requintar em sua complicação cheia de vôos fora do horário e da visibilidade. Amor à Primeira Vista, o fulminante, bem que gostava de ter o seu, cortado de relâmpagos. E há motivos de sobra para se estabelecer o Dia do Amor ao Próximo, e o Próximo somos nós, quando nos esquecemos de nós mesmos, abjurando o enfezadíssimo Amor-Próprio.
Depressa, amigos criadores de Dias, criai o do Amor Livre, entendido como tal o que desata as correntes do interesse imediato, da discriminação racial e económica, ri das divisões políticas, das crenças separatórias, e planta o seu estandarte no cimo da cordilheira mais alta. Livre até no impulso egoístico da correspondência geométrica. Amor que nem a si mesmo se escraviza, na total doação que é converter-se no alvo, pois lá diz o que sabe: «Transforma-se o amador na coisa amada.»
Haja também um Dia para o Amor Não Correspondido, em que ele se console e crie alento para perseverar, se esta é a sua condição fatal, melhor direi, a sua graça. Pois todo Amor tem o seu ponto de luz, que às vezes se confunde com a sombra.

O Amor Impossível, exatamente por sua impossibilidade, merece a compensação de um Dia. Concederemos outro ao Amor Perfeito, que não precisa de mais, mergulhado que está na eternidade, a mover os sóis, independentemente da astrofísica. Ao Amor Imperfeito, síntese muito humana de tantos, retrato mal copiado do modelo divino, igualmente, se consagre um Dia generoso.
Amor à Glória não carece ter Dia, nem Amor ao Dinheiro e seu primo (ou irmão) Amor ao Poder. Eles se satisfazem, o primeiro com uma bolha de sabão, os outros dois com a mesa posta. Mas ao Amor faminto e sem talher, e ao que nenhuma iguaria lhe satisfaz, porque sua fome vai além dos alimentos e é a fome em si, a ansiosa procura do que não existe nem pode existir: um Dia para cada um.

E se mais Dias sobrarem, que sejam reservados para os Amores de que não me lembro no momento mas certamente existem, pois sendo o Amor infinito em sua finitude, isto é, fugindo ao tempo no tempo, e multiplicando-se em invenções, sutilezas, desvarios, enigmas e tudo mais, sempre haverá um Amor novo no sujeito amante, dentro do Amor que nele pousou e que cada manhã nasce outra vez, de sorte que o mesmo Amor é cada dia Outro sem deixar de ser o Antigo, e são muitos outros concentrados e não compendiados na potencialidade de amar. Assim sendo, recomendo e requeiro e decreto que todos os dias do ano sejam Dias do Amor, e não mais disso ou daquilo, como erradamente se convencionou e precisa ser corrigido. Tenho dito. Cumpra-se.

Carlos Drummond de Andrade, in 'O Poder Ultrajovem'


Nota:
 
Drummond merecia uma publicação e, embora esteja tão atordoado com o que está acontecendo,  acontece e deixa de acontecer, tive a felicidade de ver a publicação do Citador português. E a cultura portuguesa, dos nossos irmãos lusos, prescinde de vaidade. Enaltece e declara toda a qualidade dos autores brasileiros. E, "como não me faço de rogado" quando o tema é o amor, ei-lo nas palavras dele, nosso amado itabirano... Aprovveitem, meus 14 seguidores do PALAVRA ESCRITA!




quinta-feira, 18 de abril de 2013

O MISTÉRIO DA ESTRADA DE SINTRA - EÇA DE QUEIRÓS


"Perguntou-me se queria jantar. Conquanto lhe respondesse negativamente, ele abriu uma mesa, trouxe um cabaz em que havia algumas comidas frias. Bebi apenas um copo de água. Ele comeu. Lentamente, gradualmente, começamos a conversar quase em amizade. Eu sou naturalmente expansivo, o silêncio pesava-me. Ele era instruído, tinha viajado e tinha lido. De repente, pouco depois da uma da noite, sentimos na escada um andar leve e cauteloso, e logo alguém tocar na porta do quarto onde estávamos, O mascarado tinha ao entrar tirado a chave e havia-a guardado no bolso. Erguemo-nos sobressaltados, O cadáver achava-se coberto, O mascarado apagou as luzes. Eu estava aterrado, O silêncio era profundo; ouvia-se apenas(...)"
 — O Mistério da Estrada de Sintra (1870)
 

Estava em casa vendo televisão e inadvertidamente passei por um canal onde o filme O Mistério da Estrada de Sintra estava começando. Sabia já pelo título que se tratava da obra de Eça de Queirós, o surpreendente ficou por conta de estar passando um filme português e, mais ainda, sobre o grande mestre do Realismo lusitano.  Realmente uma surpresa das mais saborosas, pois! Sozinho em casa, passava da meia-noite, silêncio e tempo (uma risadinha interior causada pela incredulidade fez com que me remexesse). Ajeitei-me na cadeira e comecei a saboreá-lo. Estranho. Sou assim, poucos mesmo entenderiam meus especiais prazeres e um deles é certamente este: mergulhar no Século XIX através dos livros (mais comumente) e vez ou outra pela tela do cinema. Salva-se isso da minha vida, já que a solidão parece-me ser a fiel companheira das últimas horas. Aliás, prefiro-a à conviver com tanta gente que fala, fala, fala, pelos cotovelos e não entende patavina de nada. Posto isso, sobre a surpresa do filme, o ambiente perfeito e o assunto tão caro, resta-me por fim falar sobre o filme e também sobre a narrativa onde os protagonistas são os autores da obra (Eça de Queirós e Ramalho Ortigão) e o cenário a sociedade portuguesa do Século XIX com idas e vindas à distante Malta, arquipélogo sob o domínio inglês na época.
 
VAMOS À OBRA E AO FILME

Ramalho Ortigão e Eça de Queirós (António Pedro Cerdeira e Ivo Canelas)
O Mistério da Estrada de Sintra é um romance da autoria conjunta de Eça de Queirós e de Ramalho Ortigão. Foi publicado no Diário de Notícias, de Lisboa, sobre a forma de cartas anônimas, entre 24 de Julho e 27 de Setembro de 1870, recebendo a primeira versão em livro em 1884. É a primeira narrativa de cariz policial da literatura portuguesa. A obra foi adaptada para o cinema em 2007 por Jorge Paixão da Costa.

A história começa com o sequestro de um médico – Dr.*** – e de seu amigo escritor – F... O rapto, realizado por quatro mascarados, ocorre na estrada de Sintra. O Dr.*** e o seu companheiro são levados para uma misteriosa casa, onde se encontrava o cadáver estrangeiro. Sabendo que um deles era médico, os raptores pretendiam verificar se, de facto, o homem estava morto. Entretanto, são surpreendidos pela entrada de um jovem – A.M.C., que viria a esclarecer todo o mistério. Rytmel era, afinal, um oficial britânico que morreu vítima de uma dose excessiva de ópio que lhe dera a amante – condessa de W., prima do mascarado alto. Esta desejava apenas adormecê-lo para confirmar nos seus papéis se ele era ou não amante de uma irlandesa. A condessa de W. era casada com um homem rico que não a fazia feliz. Conhecera Rytmel numa viagem que fizera com o marido e com o primo a Malta. Cármen disputara Rytmel com a condessa. Quando Rytmel lhe anuncia a sua vinda, esta suspeitando do seu namoro com uma outra mulher, Miss Shorn, fica enciumada e mata-o involuntariamente.
A.M.C., estudante de Coimbra, honesto e provinciano, ouviu as confidências da condessa e dispôs-se a ajudá-la na noite do falecimento de Rytmel, em que a encontrara desvairada e nervosa. Quando volta ao local do crime, a pedido da condessa, encontra os bandidos, o médico e o seu amigo. Todos juntos julgariam a atitude da condessa e fariam o enterro do pobre inglês. Luísa acaba por se isolar num convento.
SOBRE O FILME
Verão de 1870. Dois escritores, Eça (Ivo Canelas) e Ramalho (António Cerdeira). Ramalho é raptado. O desafio está lançado. Escrever um policial a quatro mãos para o Diário de Notícias. Será que a história que criaram como ficção é baseada num caso real? Esta é a pergunta que sustenta o conflito entre estes dois escritores, e os afasta num duelo quase mortal entre Sintra e Malta. O folhetim avança e com ele ameaças, duelos, sexo e intrigas. Lisboa está em alvoroço. Todos se tomam pelo conde atraiçoado. Os crimes sucedem-se numa história onde o amor é mais forte do que a tradição, a intriga escapa às evidências e tudo corre freneticamente, como num jogo.
 O Mistério da Estrada de Sintra desafia todas as convenções numa acutilante crítica de costumes à romântica sociedade portuguesa do séc. XIX.
Ficha Técnica:
Realização: Jorge Paixão da Costa
 Argumento: Jorge Paixão da Costa, Newton Cannito e Tiago Borralho
 Produtor: A. da Cunha Telles, Pandora da Cunha Telles, Roberto d’Avila e Patrick Siaretta
 Género: Aventura
 Duração: 115’
 Elenco:
 Ivo Canelas (Eça de Queirós)
 António Cerdeira (Ramalho Ortigão)
 Bruna Di Tullio (Condessa de Valadas)
 Rogério Samora (Conde de Valadas)
 José Pedro Vasconcelos (Primo Vasco)
 Gisele Itié (Carmen Puebla)
 Flávio Galvão (Nicázio Puebla)
 James Weber-Brown (Capitão Rytmel)
 Nicolau Breyner (Eduardo Coelho)
 
Prêmios:
 Globos de Ouro, Portugal (2008) – Melhor Actor (Ivo Canelas)
 Detective Fest, Rússia (2008) – Melhor Filme
Nomeações:
 Festival de Gramado, Brasil (2008) – Competição Internacional
 Chicago Latino Film Festival, EUA (2008)
 
 
 

segunda-feira, 15 de abril de 2013

FLORBELA ESPANCA PELA VOZ DE MIGUEL FALABELLA - A VOLTA

Sem dúvida, emocionante. Tinha que ser assim, a primeira publicação minha depois de muito tempo; continuo taciturno e cada vez mais misantropo. É um desajuste que só ganha corpo. Gente demais, falando demais e ouvindo pouco. Antes, meu leitores, fugia da solidão, hoje tenho, por ela, admiração. E assim, nessa forma cada vez mais robusta retome com fervor o Palavra Escrita e faça dele novamente um hábito. Sorte minha e azar vosso! Curtam então, o que vale a pena ouvir!

sábado, 23 de junho de 2012

MACHADO DE ASSIS E O REALISMO BRASILEIRO



A obra de Machado de Assis divide-se em duas fases. A primeira, romântica, mostra-se convencional, tanto no enredo quanto no estilo. De caráter sentimental, os conflitos dos personagens são superficiais, envolvendo, em geral, dinheiro, casamento e família, de acordo com o modelo do Romantismo. Na segunda fase, surge Brás Cubas... Mais a frente falaremos sobre a fase romântica de Machado de Assis. Por ora, ficamos com o romance que inaugurou o Realismo no Brasil.


MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS  

Memórias Póstumas de Brás Cubas é um marco divisor tanto de sua obra quanto da literatura brasileira, pois é este romance que dá início ao Realismo em nossas letras, sendo a mais radical experimentação da prosa brasileira até aquele momento. Machado de Assis é ousado ao apresentar um defunto como narrador e ao eliminar o sentimentalismo, o moralismo de fachada, o medo de escandalizar os preconceituosos e a ideia de que o amor sempre deve prevalecer. Além disso, inaugura a interlocução, ou a conversa com o leitor, rompe com a linearidade do enredo e escreve microcapítulos digressivos para comentar, explicar e exemplificar outros capítulos, fragmentando a narrativa tradicional. Suas inovações neste romance incluem até mesmo a disposição dos tipos nas páginas, em uma criação semelhante ao que décadas mais tarde faria o movimento concretista. 

RESUMO

Depois de um longo delírio, Brás Cubas, o narrador-personagem, morre, aos 64 anos. É então que começa a contar, de trás para a frente, a história de sua vida. Apresenta-se, portanto, como um “defunto autor” e não um “autor defunto”, pois a morte é o pré-requisito de sua narrativa, a qual por isso mesmo será franca, sem medo de ofender a sensibilidade e os padrões morais de sua época. O romance começa pelo funeral, vai daí ao nascimento, à infância e ao primeiro amor adolescente, aos 17, pela prostituta Marcela. Para “curar” essa paixão, o pai o envia para Coimbra, Portugal, em cuja tradicional Universidade, Brás Cubas se forma em Direito, apesar de ser um aluno medíocre. De Portugal retorna ao Brasil por ocasião da morte da mãe. A princípio namora Eugênia, filha de uma amiga pobre de sua família, mas o pai quer casá-lo, por interesse político, com a filha do conselheiro Dutra, chamada Virgília.Esta, apesar de corresponder ao interesse de Brás Cubas, acaba conquistada por Lobo Neves, com quem se casa, por nele ver perspectivas de ascensão social. Segue-se a morte do pai de Brás e um litígio entre este e sua irmã Sabina, casada com Cotrim, por conta da herança paterna. Anos mais tarde, Virgília e Brás Cubas se tornam amantes, encontrando-se em segredo numa casa que fica aos cuidados de dona Plácida, antiga conhecida de Virgília. Nesse meio tempo, o narrador-personagem reencontra um amigo de infância, Quincas Borba, mendigo e filósofo que desenvolve a doutrina do Humanitismo (e dará origem ao próximo romance de Machado de Assis, intitulado justamente“Quincas Borba”). O romance com Virgília evolui, cercado dos riscos inerentes a uma paixão adúltera. Seu ponto mais alto será a indesejada gravidez de Virgília, cujo filho, porém, nasce morto. A relação, então, se desgasta e Lobo Neves, nomeado presidente de província, parte com a mulher para o Norte, o que acaba definitivamente com o caso entre ela e Brás Cubas. Após um breve namoro com a sobrinha do cunhado Cotrim, Brás Cubas tenta, em vão, ser ministro de estado. Funda, a seguir, um jornal de oposição, mas jamais terá sucesso na política. O fim torna a se aproximar. Quincas Borba recebe uma herança e enriquece, mas é acometido de demência. Já idosa, Virgília pede a Brás Cubas que ampare dona Plácida, que se encontra numa condição miserável. Sobrevêm várias mortes: a de Lobo Neves, Marcela, Quincas Borba e da própria dona Plácida. Enquanto pensava em inventar um emplasto milagroso, que havia de torná-lo célebre, Brás Cubas sofre uma pneumonia. Acompanhada do filho de Lobo Neves, Virgília vem visitar o ex-amante. Considerando-se que o fim da história, isto é, a morte do protagonista, já foi narrada no início, o romance se encerra com um capítulo magistral em que Brás Cubas faz um balanço de sua vida. Eis um trecho de seu último parágrafo: “Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplastro, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. [...] Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.



DOM CASMURRO 


Dom Casmurro é mais um romance da segunda fase de Machado de Assis. Tal como em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, o autor está preocupado em investigar a existência, apresentando situações-problema que contribuem para desvendar a alma humana. Dom Casmurro é a história de um suposto adultério, narrado de uma perspectiva suspeita, a do próprio marido, Bentinho, que viveu uma história de amor infeliz e com final trágico.
RESUMO
Bento de Albuquerque Santiago mora na rua de Matacavalos, com sua mãe viúva, D. Glória, a prima Justina, o tio Cosme e o agregado José Dias. Na casa ao lado, mora Capitolina (apelidada Capitu), filha de Pádua e Fortunata. Embora a família dela seja pobre e a dele rica, os dois são criados juntos. Quando o menino chega aos 15 anos e a menina aos 14, José Dias lembra a D. Glória a promessa que ela fizera de enviar o filho para o seminário. Essa é a forma que Dias encontra de alertá-la para um possível relacionamento amoroso entre os jovens, que, no entanto já estão apaixonados. No seminário Bentinho torna-se amigo de Escobar, outro seminarista sem vocação. Com a ajuda desse amigo e do próprio José Dias, o rapaz consegue demover sua mãe de seu desejo de torná-lo padre. Bentinho realiza seu desejo de ir para São Paulo onde se forma em Direito.
De volta ao Rio de Janeiro, casa-se afinal com Capitu e, Escobar, por sua vez, casa-se com uma amiga dela, Sancha, o que fortalece os laços entre os dois casais. No entanto, Bentinho e Capitu manifestam certo descontentamento por não terem filhos, o que ocorrerá apenas dois anos mais tarde, quando Capitu dá a luz um menino, batizado Ezequiel. No entanto, à medida que o menino cresce, Bentinho, que sempre fora ciumento e inseguro, só reconhece nele as feições de Escobar.
Quando Capitu chora em excesso no enterro de Escobar, que morre afogado, Bentinho fica completamente transtornado, pois vê naquele comportamento a prova cabal de suas suspeitas. Primeiro pensa em suicídio, depois em homicídio e, por fim, opta pela separação. Expulsa Capitu de casa, e a envia para a Suíça com Ezequiel, onde ela morre. Adulto, Ezequiel retorna ao Rio de Janeiro e Bentinho não vê no filho senão o retrato do amigo do seminário. Como era arqueólogo, Ezequiel em seguida viaja para o Egito e morre pouco depois em Jerusalém. Bentinho, solitário e magoado, preocupa-se com o passado e procura reinterpretá-lo construindo no Engenho Novo uma casa idêntica à de Matacavalos. Ali, começa a escrever a história de sua vida numa última tentativa de se convencer da traição da esposa e demonstrar ao mundo que não agira mal ao recusar Ezequiel.

UM SONETO PROPOSTO POR MACHADO DE ASSIS

“Esta sarna de escrever. quando pega aos cinquenta anos, não despega mais. Na mocidade é possível curar-se um homem dela; e sem ir mais longe, aqui mesmo, no seminário tive um companheiro que compôs versos, a maneira dos de Junqueira Freire, cujo livro de frade-poeta era recente. Ordenou-se; anos depois, encontrei-o no coro de São Pedro e pedi-lhe que me mostrasse os versos novos.
- Que versos – perguntou meio espantado.
- Os seus. Pois não se lembra que no seminário...
- Ah! – sorriu ele.
Sorriu e, continuando a procurar num livro aberto a hora em que deveria cantar no dia seguinte, confessou que não fizera mais versos depois de ordenado. Foram cócegas da mocidade; coçou-se, passou, estava bom. E falou-me em prosa de uma infinidade de coisas do dia, a vida cara, um sermão do Padre X... uma vigairaria mineira...” 
(Dom Casmurro – Capítulo LIV – Panegírico de Santa Mônica)

Durante a leitura de Dom Casmurro, no capítulo seguinte ao trecho sublinhado acima, Bentinho diz:
 - Também eu tive o meu panegírico, contarei a história de um soneto que nunca fiz; era no tempo do seminário, e o primeiro verso é o que ides ler:
Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!
Bentinho fica impressionado com o verso que lhe saiu da cabeça durante a noite e decidiu-se por escrever com ele um soneto. Vale destacar a forma como ele fica impressionado com sua inspiração poética:
A insônia, musa de olhos arregalados, não me deixou dormir uma longa hora ou duas; as cócegas, pediam-me unhas, e eu coçava-me com alma.
Decide-se por ser poeta, antes, porém, teria que escrever o soneto (e o verso, nem verso era, era somente uma exclamação), “Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!”.
Sei bem eu que essas decisões tomadas em noites insones têm a força de uma noite. Mas Bentinho antes de ser poeta tinha uma aspiração: escrever o tal soneto a partir do verso composto. Quem era a flor? – pergunta-se Bentinho. Logicamente era Capitu. Mas o soneto não saía.
“Aguardei o resto, recitando sempre o verso, e deitado, ora sobre o lado direito, ora sobre o esquerdo; afinal deixei-me estar de costas, com os olhos no teto, mas nem assim vinha mais nada. Então, adverti que os sonetos mais gabados eram os que concluíam com chave de ouro, isto é, um desses versos capitais no sentido e na forma.”
 Resolve-se então compor o último verso, imaginando que tais chaves de ouro eram “fundidas antes da fechadura”. Depois de muito “suar” o tal décimo quarto verso saiu:
Perde-se a vida, ganha-se a batalha!
Bem, para não alongar muito essa história, ao final ele havia composto o primeiro e último verso do soneto, que considerava, ia sair perfeito. Mas o tal do soneto não saiu. E o que ficou foi uma licença de Machado de Assis para que algum corajoso topasse o desafio e escrevesse os demais doze versos do soneto de Bentinho. Eu, num ataque de “humildade”, topei o desafio. Mais corajoso ainda é que vou publicar esse soneto aqui, nesta publicação sobre o magistral escritor que está em sua terceira postagem (Machado de Assis – O bruxo do Cosme Velho, ABL – A casa de Machado de Assis e agora Machado de Assis – Um pouco de sua obra).
Antes dessa aventura monumental de escrever em parceria com o mestre, tive eu também que perder horas de sono tentando encontrar inspiração para escrever o soneto. Uma audácia, mas estava ali e achei um despropósito deixar dois versos assim soltos no tempo. Existe agora um soneto, não sei se alguém mais se atreveu. Vamos lá, fechando os olhos...

Machadiana
Oh! Flor do céu! Oh! Flor, cândida e pura!
De estrelas ornas todo um céu, toda uma vida
Fazes do Eterno, esse olhar – quanta ternura,
E pleno de fé e Graça a obra de um lusíada. 

O bem excelso é saber-me teu, minha querida,
E mal maior não há nem persiste sobre a terra
Do que perder-te o amor, de ver-te esquecida,
É a morte, desvalida, é o que o inferno encerra. 

O lume somente das estrelas não te faz justiça,
O horizonte, o céu, a Casa etérea - alva e rutilante.
O tempo, em tua ausência, faz do amor, mortalha, 

E tudo finda, ali, naquele negro instante.
Dei-te tudo, minha Senhora, fica a palavra dita:
Ganha-se  a vida, perde-se a batalha!




QUINCAS BORBA – “AO VENCEDOR, AS BATATAS.”

 Em Quincas Borba, obra de 1891, Machado de Assis põe de lado a liberdade formal, que empregara em Memórias Póstumas de Brás Cubas, seu romance anterior, marco inicial do Realismo na literatura brasileira. Há, no entanto, um elo evidente entre os dois livros: o personagem Quincas Borba e o Humanitismo, a doutrina filosófica por ele desenvolvida em Memórias Póstumas.

RESUMO
Em Barbacena, Pedro Rubião de Alvarenga, ex-professor primário, torna-se enfermeiro e amigo do filósofo Quincas Borba. Cerca de seis meses mais tarde, este morre no Rio de Janeiro. Rubião é nomeado seu herdeiro universal, desde que concorde em cuidar de seu cachorro, que também se chama Quincas Borba, e no qual o filósofo acreditava sobreviver após a morte. Com a fortuna recebida, Rubião, megalomaníaco e ambicioso, resolve trocar a pacata vida provinciana pela agitação da corte, onde acredita que desfrutará de fama e status , e parte para o Rio. Na viagem de trem conhece o capitalista Cristiano de Almeida e Palha e sua esposa Sofia, cuja beleza o encanta. Ingenuamente fala sobre sua riqueza repentina e com isso desperta o olhar cobiçoso do marido, que logo oferece sua casa e sua ajuda durante a estada do mineiro na capital.
Extremamente ingênuo e influenciável, Rubião deixa-se guiar pela amabilidade do casal. Instala-se num palacete e passa a frequentar a casa de Cristiano, um parasita interesseiro e desonesto, a quem primeiro faz um empréstimo, mas depois confia cegamente a administração de todo seu dinheiro. Valendo-se dos encantos de Sofia, sua própria esposa, ambiciosa e de caráter ambivalente, Cristiano atrai a atenção de Rubião, o qual, com o tempo se apaixona por Sofia, que, ao mesmo que o encoraja, dispensando-lhe olhares e delicadezas insinuantes, impõe-lhe certa distância, sem contudo deixar de seduzi-lo implicitamente. Depois de muitos favores ao casal amigo, Rubião declara seu amor por Sofia, que o recusa e revela ao marido que foi cortejada. Cristiano, no entanto, não rompe relações com Rubião, porque pretende subtrair-lhe o restante da fortuna. Sofia, que até então apenas intuía sua condição de chamariz, daí em diante tem de desempenhar esse papel conscientemente. Interessados nos bens de Rubião também estão outros oportunistas, como o advogado e falso jornalista Camacho, que contribuem para seu empobrecimento gradual e absoluto. Já o amor não correspondido por Sofia aos poucos leva Rubião à loucura. Abandonado por todos que se aproveitaram dele, volta para Barbacena com Quincas Borba, o inseparável cão, seu único companheiro em toda a aventura no Rio de Janeiro. Depois de passar fome e frio, morre em casa da comadre Angélica, em seus delírios imaginando-se Napoleão III e pronunciando a máxima do filósofo Quincas Borba, que só agora ele consegue entender: “Ao vencedor, as batatas”.